domingo, julho 8

Homens Impelidos // John Piper





Se meu mundo interior estiver em ordem será porque já reconheci que tenho a tendência de agir segundo os esquemas e padrões criados pelo meu passado desordenado, e não segundo os que são criados por Deus.
Jesus Cristo não pode realizar uma obra eficaz no mundo interior de pessoas que se regem por seus impulsos. Nunca realizou. Parece que ele prefere trabalhar com pessoas às quais chama. E é por isso que a Bíblia nem toma conhecimento dos voluntários; atém-se apenas aos chamados.

Mas, ao fazer o estudo da vida interior do homem, temos que partir de algum ponto, vamos iniciar pelo mesmo ponto em que Cristo começou: fazendo distinção entre os que são chamados e os que são “impelidos”. De alguma forma parece que ele identificava as pessoas com base na tendência que tinham para ser “impelidas”, ou se estavam accessíveis ao chamado dele. Examinava a motivação pessoal de cada uma, a base de sua energia espiritual e o tipo de satisfação que buscavam. Então, chamou aqueles que eram atraídos para ele, evitando os que eram impulsionados a ir a ele, visando utilizá-lo para seus próprios fins.

Como poderemos identificar uma pessoa “impelida”? Hoje em dia isso é relativamente fácil. Esses indivíduos geralmente trazem as marcas de um stress. Descubra os sintomas de stress numa pessoa e terá encontrado um desses “impelidos”.
O mundo hoje está muito interessado nesse problema de stress. Os estudiosos do assunto têm escrito livros sobre ele, têm efetuado pesquisas, e nos consultórios médicos praticamente a toda hora há alguém com dores no peito ou distúrbios estomacais.
O stress é um dos principais causadores, direta ou indiretamente, de distúrbios da coronária, de câncer, de afecções pulmonares, lesões provocadas por acidentes, cirrose hepática e de suicídio. E isso é apenas uma parte.

O que há por trás de tudo isso? O nosso próprio modo de vida, a maneira como vivemos está-se revelando a maior causa de enfermidades hoje em dia.
Não é muito incomum encontrar pessoas vivendo um alto nível  de stress. Tenho um conhecido que é pastor, e que vez por outra vem conversar comigo em meu gabinete. Sua pressão arterial acha-se perigosamente elevada; está sempre se queixando de constantes dores no estômago, e receia estar sofrendo de úlcera; além disso, não dorme bem. Em outra ocasião, a conversa é com um jovem executivo, e ele confessa que, até recentemente, a ambição de sua vida era ganhar um milhão de dólares, antes de completar 35 anos. Que têm em comum esses dois homens, um do mundo dos negócios e outro da esfera religiosa?
Eles são o que chamo de homens “impelidos”. E essa compulsão a que estão sendo submetidos está cobrando deles um alto preço Emprego a palavra “impelidos” não somente porque descreve a maneira como ambos estão vivendo, mas porque retrata também o modo como que estamos causando a nós mesmos. É possível que estejamos sendo compelidos a buscar metas e objetivos, sem saber direito por que o fazemos. E talvez não estejamos cientes do alto preço que isso custará à nossa mente, nosso corpo e, naturalmente, ao nosso coração. Ao dizer coração, refiro-me ao que é mencionado em Provérbios 4.23, aquela fonte de onde procede a energia da vida.
Existem muitos desses “impelidos” que estão realizando coisas boas. Por serem impelidas não são, necessariamente, pessoas más, embora as consequências dessa sua compulsão possam ser nefastas. Aliás, existem pessoas “impelidas” que estão dando uma enorme contribuição à sociedade. São aquelas que fundam organizações; abrem oportunidades de empregos e trabalho para muitos; e geralmente são pessoas inteligentes, que oferecem meios e modos de se criarem benefícios para muitas outras. Mas, apesar de tudo, são impelidas, e não podemos deixar de nos indagar até que ponto conseguirão suportar esse ritmo, sem causar danos a si mesmas.

É possível identificar essas pessoas impelidas? Claro. Existem muitos indícios que mostram que uma pessoa é do tipo impelida. Dentre eles, alguns dos mais comuns são os seguintes:

1. As pessoas impelidas, na maior parte dos casos, só se satisfazem ao ver o trabalho realizado.

Parece que em algum ponto do seu processo e amadurecimento, essa pessoa fixou a noção de que só pode se sentir bem consigo mesma e como mundo na medida em que acumular realizações. Essa noção pode ter-se fixado por causa de influências recebidas na infância.

Nessas circunstâncias é muito fácil a pessoa ficar dominada pela psicose da realização. Ela raciocina que, se com uma tarefa realizada ela obteve satisfação e elogios, então com mais realizações obterá maior satisfação e maior aprovação por parte de outros.
Então a pessoa “impelida” começa a procurar formas de multiplicar suas realizações. Daí a pouco está com duas ou três atividades ao mesmo tempo, pois isso lhe proporciona esse estranho tipo de prazer.

2. A pessoa impelida esta sempre preocupada com os símbolos associados à idéia de realização.

Geralmente é uma pessoa muito consciente do conceito de poder; e busca obter poder a fim de manipulá-lo. Isso significa também que ela é consciente dos símbolos associados ao status: títulos, tamanho e localização dos escritórios onde trabalha, a posição das pessoas nos gráficos das organizações, e os privilégios especiais dos mais graduados.

3. A pessoa “impelida” geralmente se acha dominada por uma descontrolada busca da superação.

Ela gosta de participar de empreitadas cada vez maiores e mais vitoriosas. Normalmente está sempre agindo, procurando as maiores e melhores oportunidades. Raramente consegue apreciar as realizações no momento em que as obtém.

Vivem num constante estado de inquietação e insatisfação, sempre à procura de métodos mais eficientes, de melhores resultados e de experiências espirituais mais profundas. Via de regra, não existe a menor indicação de que um dia essas pessoas ficarão satisfeitas consigo mesmas ou com os outros.

4. As pessoas “impelidas” parecem ter pouca consideração para com os princípios de honestidade.

Elas se acham tão envolvidas na busca do sucesso, na ânsia, de realizar, que quase não têm tempo para parar e verificar se seu ser interior está acompanhando de perto o processo que se passa no exterior. De um modo geral, ele não o acompanha, e cria-se uma lacuna cada vez  maior entre os dois E é ai que ocorre o desrespeito à integridade. Essas pessoas vão-se tornando progressivamente mais e mais fraudulentas; e o pior é que não ludibriam apenas a outros, mas também a si mesmas. Na ânsia de avançar sempre, sem parar, mentem para elas próprias, com relação às suas intenções. Dessa forma, seu sistema de valores e sua integridade moral ficam comprometidos.

5. As pessoas “impelidas” muitas vezes possuem pouca ou nenhuma habilidade no trato com outros.

Dar-se bem com seus semelhantes não é uma das qualidades desses indivíduos. Não é que tenham nascido desprovidos da capacidade de se relacionar bem com os que os cercam, mas é que, para eles, seus projetos são mais importantes do que os seres humanos. Como seus olhos estão sempre fixos em suas metas e objetivos, raramente prestam atenção àqueles que estão ao seu redor, a não ser que estes possam ser utilizados para o atingimento de seus alvos. Geralmente, a pessoa “impelida” deixa, em sua passagem, uma “fileira de cadáveres”. Embora no inicio alguns a louvassem por sua aparente capacidade de liderança, o fato é que depois de algum tempo começam a surgir casos cada vez mais numerosos de frustração e hostilidade, pois eles percebem que a pessoa “impelida” não se importa muito com o bem-estar e o aperfeiçoamento dos seres humanos. Logo se nota que acima de tudo está aquela “Importante e inalterável” agenda. E é assim que os colegas e subordinados daquele indivíduo, um a um, vão pouco a pouco se afastando dele, esgotados, desiludidos, sentindo que foram explorados. E não será surpresa ouvir alguém dizer acerca de uma pessoa dessas:

6. As pessoas “impelidas” tendem a ser fortemente competitivas.

Elas vêem cada esforço a ser feito como um jogo de vida ou morte. E é claro que ela acha que tem de vencer a todo custo, para estar bem aos olhos de todo mundo.

7. As pessoas “impelidas”, em geral, se irritam com enorme facilidade.
Sua raiva pode entrar em erupção a qualquer momento em que ela perceba antagonismo ou deslealdade por parte de alguém. O gatilho da raiva é disparado toda vez que alguém discorda dela, oferece uma solução diferente da que ela propõe, ou faz uma leve crítica.

8. As pessoas “impelidas” geralmente são indivíduos que  estão sempre muito  atarefados
Em geral, estão ocupados demais para cultivar um bom relacionamento com familiares, com a esposa ou marido, com amigos, e até mesmo consigo para não falar de sua comunhão com Deus. Como essas pessoas raramente se satisfazem com suas realizações, fazem uso de todos os minutos disponíveis para se aprimorar, para assistir a mais reuniões, para estudar novos materiais de interesse, ou iniciar outros projetos.
Grande parte da direção de nosso mundo se acha nas mãos de gente assim. O sistema criado pelo mundo apoia-se nelas. E onde isso acontece, seja numa empresa, numa igreja ou numa família, o desenvolvimento das pessoas é sacrificado em favor de realizações e busca de benefícios naturais

Dentre as pessoas da Bíblia, a que melhor tipifica o homem “impelido” é Saul, o primeiro rei de Israel.  Continuou a acumular mais e mais tensões sobre si mesmo. E isso o destruiu.

1 Sm 9.1-2 – A própria introdução de Saul no cenário bíblico já devia ser uma indicação de que ele possuía algumas falhas que, se não fossem devidamente corrigidas em seu mundo interior, poderiam levá-lo facilmente a perder o autocontrole.

Ao iniciar sua vida pública, Saul possuía três benefícios, recebidos ao nascer, que poderiam redundar em vantagem ou desvantagem para ele. Ele mesmo teria que decidir como iria utilizá-los. E essa decisão iria depender muito das condições diárias de seu mundo interior.

Quais são esses três benefícios? Primeiro, riqueza; segundo, uma boa aparência; terceiro, um porte físico bem desenvolvido. Todas essas coisas são atributos que fazem parte do mundo exterior das pessoas. Em outras palavras, a impressão inicial que Saul causava nos outros era de que era superior a todos quantos o rodeavam.

Quando Saul se tornou rei de Israel, obteve logo muito sucesso. Ao que parece, isso impediu que enxergasse suas limitações. Ele não deu muita atenção ao fato de que precisava dos outros, de que devia cultivar seu relacionamento com Deus, nem que devia encarar com mais seriedade suas responsabilidades para com o  povo que governava. Começam  a surgir aí os primeiros indícios de que ele é uma pessoa “impelida”. Saul tornou-se um homem atarefado. As consequências? Uma séria brecha na aliança do povo com Deus. O oferecimento de holocaustos era prerrogativa dos profetas, como Samuel; não era atribuição dos reis, como Saul. Mas ele se esqueceu disso porque via a si mesmo como uma pessoa de grande importância.

A partir daí, sua caminhada vai de declive em declive. “Já agora não subsistirá o seu reino. O Senhor buscou para si um homem que lhe agrada.” (1 Sm 13.14.). É assim que termina a maioria dos homens “impelidos”.

Sem a benção e  a assistência divina que até então tivera, Saul passa a revelar com mais clareza sua condição de “impelido”. Pouco depois, ele empenha todas as energias no esforço de segurar o trono, entrando em competição com Davi, o jovem que havia conquistado a admiração do povo de Israel.

A Bíblia relata diversas demonstrações da sua explosiva cólera, que o levou a cometer abusos em alguns momentos, e em outros a se entregar a uma imobilizante auto piedade. Ao final de sua vida, ele era um homem totalmente desorientado, vendo inimigos atrás de cada arbusto. Por quê? Porque desde o início ele fora um homem “impelido”, e nunca havia colocado em ordem o seu mundo interior.

Saul é o exemplo clássico de um homem “impelido”.
Nos aspectos de sua vida em que virmos semelhanças entre ele e nós, nesses pontos precisaremos fazer algumas mudanças em nosso mundo interior. Aquele cuja vida interior se achar convulsionada por compulsões não resolvidas, não conseguirá escutar a voz do Senhor a chamá-lo. O sofrimento e os ruídos provocados pelo stress serão fortes demais.

Infelizmente, nossa sociedade está cheia de pessoas como Saul; são impelidas a acumular realizações, a ser reconhecidas, ou a atingir suas metas a todo o custo. E desgraçadamente nossas igrejas também estão cheias desses indivíduos. Muitas delas são fontes que se secaram. Em vez de serem fontes de energia vital, levando as pessoas a se desenvolverem espiritualmente e a se deleitarem com as coisas de Deus, elas se tornaram fontes de stress. O mundo interior do homem “impelido” está totalmente em desordem.

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