terça-feira, maio 29

Quando Linguas e Profecias Finalmente Cessarão



É proibido profetizar ou falar em linguas
É proibido profetizar ou falar em linguas
Como apontei em A Ironia Cessacionista, ninguém que leia somente a Bíblia (Sola Scriptura) poderá chegar a conclusão de que os dons espirituais cessaram. O cessacionismo (que tão veementemente ostenta a bandeira do Sola Scriptura) precisa incorporar elementos extra-bíblicos à sua teologia, para somente assim poder sustentar seu postulado.
O cessacionismo não é doutrina bíblica, é somente um conceito filosófico imposto ao texto bíblico. Não fazia parte do didaque apostólico e nem mesmo dos Pais da Igreja. É somente o mau fruto do declício que a Igreja sofreu ao longo dos séculos – processo em que a espontaneidade carismática que marcou a Igreja dos primeiros discípulos foi gradualmente desaparecendo e dando lugar às rígidas liturgias conduzidas por clérigos profissionais.
Um dos poucos versos bíblicos usados pelo cessacionismo que aborda a questão do carisma de forma direta é 1 Corintios 13:8-10 que diz:
O amor jamais acaba; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; porque, em parte conhecemos, e em parte profetizamos; mas, quando vier o que é perfeito, então o que é em parte será aniquilado.
Os cessacionistas se utilizam deste verso para dizer que linguas e profecias cessariam com a manifestação daquilo que é perfeito.1 E o “perfeito”, de acordo com esta filosofia, é a formação do cânon das Escrituras. Assim, reza o postulado cessacionista que uma vez que já temos as Escrituras, não precisamos mais de profecias ou línguas.
Há dois problemas com esta interpretação. O primeiro problema é que se supormos que no tempo da redação de 1 Cor 13:8-10 “eles viam em parte” porque “o perfeito” (i.e. o fechamento do cânon bíblico) ainda não havia se manifestado, teremos que subscrever à implícita idéia de que nosso nível de revelação do Evangelho é maior do que o do que os apóstolos originais obtiveram – incluindo Paulo, o autor do texto acima – uma vez que “eles viam em parte, mas nós já temos a revelação (o cânon) completa.” Particularmente não conheço nenhum irmão conservador que esteja disposto a afirmar isso de um púlpito, o que já demonstra o paradoxo deste postulado. Em segundo lugar, sabemos que as Escrituras são nosso guia, mas nem todos os livros do mundo seriam capazes de conter toda a revelação de Deus, e que há coisas que somente nos serão reveladas quando o contemplar-mos face a face (Dt 29:29, Jo 21:25). E, na verdade, é a isso que este texto de Corintios se refere.
Em nenhum momento o texto se refere ao fechamento do cânon. O verso 12 do mesmo capítulo nos esclarece exatamente o que é “o perfeito” que há de vir:
Porque agora vemos como por espelho, em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei plenamente, como também sou plenamente conhecido. (grifos acrescentados)
Paulo nos esclarece “o perfeito” é conhecer a Deus e vê-lo face a face, conhecendo-o da mesma forma que somos conhecidos por Ele. Na época de Paulo, os espelhos eram feitos de metais polidos (como bronze ou cobre) que davam como reflexo uma imagem obscura, uma espécie de penumbra. Não refletia uma imagem clara e nítida como nos dias atuais. Essa é a imagem de Deus que possuímos hoje: vemos em parte, conhecemos Deus em parte e ainda não o contemplamos face a face. Profecias e linguas fazem parte deste contexto, porque nos ajuda a discerninr e conhecer melhor o coração de Deus em tempos em que o “conhecemos parcialmente.” Na verdade, o “perfeito” a que se refere Paulo é a mesma coisa que João descreve em 1 Jo 3:2:
Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não é manifesto o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como é, o veremos.
No desfecho da profecia acima, e não antes disso, obviamente linguas e profecia se tornarão desnecessárias, pois estaremos contemplando Deus face a face. Mas até que que seja “manifesto o que havemos de ser”, até que “Ele se manifestar”, poderemos contar com os dons espirituais que Deus deu a sua Igreja, sem nos preocuparmos com a data de expiração de certas Escrituras do cânon.
NOTA
[1] Continuístas e cessacionistas concordam que línguas e profecias, na passagem em questão, são dons representativos e não exclusivos. Em outras palavras, são exemplos dados por Paulo, para ensinar que todos os outros dons sobrenaturais, como cura e operação de milagres, cessarão quando o que é perfeito se manifestar. A discordância se dá quanto ao tempo desta cessação, que é o que procuro expor de forma exegética neste texto.

© Pão & Vinho
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